Por Rafael Saltz Gensas – Graduando em Direito pela UFRGS – 9º Semestre
Em períodos de crise econômica como a que vivemos atualmente, há muitos postos de trabalho sendo fechados e poucos sendo abertos. Assim, há um número cada vez maior de desempregados, ao mesmo tempo em que muitas pessoas empregadas sofrem com o gradual esvaziamento dos seus direitos.
Desse modo, muitos trabalhadores estão sem emprego e buscando quase que desesperadamente uma nova posição no mercado. Simultaneamente, aqueles com emprego estão intensamente à procura de outro melhor ou com perspectivas mais resplandecentes. Por consequência, a vulnerabilidade negocial dos trabalhadores se acentua, dada a maior competição por vagas.
Assim, o que acontece quando um candidato, em um processo seletivo para vaga de emprego, com base na conduta do empregador, desenvolve uma legítima expectativa de que será contratado? E se ele se demite do emprego anterior porque tem convicção de que a nova empresa irá lhe contratar? Ou, mais especificamente, se lhe foi dito que será contratado? Se tudo isso ocorre e, ao fim, o suposto empregador lhe diz, com ou sem pedido de desculpas, que "a vaga fechou", ou que "outra pessoa foi contratada para aquele posto"? Teríamos aqui, sob o prisma da boa-fé, um caso de responsabilidade pré-contratual da empresa?
São exemplos de atitudes que criam tal expectativa legítima no candidato:
a requisição, por parte do empregador, da realização de exames médicos admissionais e da abertura de conta-salário; a retenção da Carteira de Trabalho; a entrega de uniformes da empresa, dentre outros (1). Nesse sentido, as ações do empregador no período negocial são relevantes para o Direito e devem seguir os ditames da boa-fé objetiva, como leciona Judith Martins-Costa:
Ainda não há, nessa fase preliminar, relação contratual, pois as negociações preliminares configuram tratos, e ainda não contratos, nem negócios jurídicos. Porém, é preciso atenção: a fase formativa não é destituída de relevância jurídica. Aí já há a tutela do direito que impõe deveres de correção no comportamento dos negociadores (2).
No mesmo sentido explica Enéas Costa Garcia:
O "estar em tratativas" cria expectativas e uma confiança na parte contrária. Daí a necessidade das partes agirem com lealdade, de maneira honesta, preservando esta confiança surgida do contato negocial. A boa-fé, portanto, desempenha um papel relevante na determinação do conteúdo desta relação pré-negocial. Pela amplitude do conceito, a boa-fé permite identificar qual o comportamento probo, leal, esperado no caso concreto (3).
Ao divulgar uma vaga, a empresa deve estar ciente de que interagirá com os sentimentos de diversas pessoas que buscam um emprego. As informações solicitadas e prestadas ao longo das tratativas devem refletir uma perspectiva real do processo, ou seja, a empresa não deve dar indicativos que gerem uma expectativa positiva irreal ao candidato. Isso inclui o silêncio que, muitas vezes, representa uma verdadeira manifestação de vontade, como dispõem Chaves de Farias e Rosenvald:
Em princípio, o silêncio puro não detém valor declarativo. (...) Porém, quando as circunstâncias e os usos autorizarem, o silêncio possuirá significado social relevante, como forma de aceitação e declaração negocial, produzindo efeitos positivos (4).
É evidente que, em geral, a companhia possui o direito de contratar aquele que considerar mais apto. Ainda, possui autonomia negocial para romper as tratativas, havendo justo motivo. Porém, a partir do momento em que, por sua própria conduta, gera no candidato uma legítima confiança de que será contratado, ela passa a ser responsável pelos gastos decorrentes dessa expectativa. Não pode a companhia falsamente dar a crer que a vaga será preenchida pelo possível empregado, ou fazê-lo crer que está em posição melhor do que de fato está e, posteriormente, romper imotivadamente as tratativas. O íntimo do trabalhador, sua legítima expectativa e sua personalidade são tutelados pelo Direito, não podendo ser alvo de verdadeiros descasos por parte do empreendedor. Nesse sentido, Regis Fichtner explica que:
Para que surja a responsabilidade do contraente pela não-realização do negócio, é preciso que ele tenha praticado algum ato que suprima naquela situação específica a sua faculdade de não realizar sem qualquer justificativa o contrato negociado (5).
O desrespeito à legítima expectativa do candidato, concretizado pelo rompimento injustificado das negociações preliminares, configura, pois, violação à boa-fé objetiva. Ademais, quanto mais complexas e profundas forem as negociações, bem como quanto mais pessoalizado for o contato, maior envolvimento das partes haverá. Com isso, maiores gastos e, evidentemente, maior confiança no fechamento do negócio. Ou, ao menos, maior confiança na boa-fé alheia e na condução justa e honesta do processo negocial.
Temos aqui um claro caso de aplicação da proibição ao venire contra factum proprium. As ações da empresa que indicam ao candidato a sua virtual contratação são um fato, e o rompimento das tratativas sem justo motivo constitui uma ilegal contradição de conduta patronal. Como explica Fichtner:
Tem razão essa corrente em vislumbrar na proibição do venire contra factum proprium o fundamento mais concreto da responsabilidade pela interrupção das negociações contratuais (6).
Deve a empresa, portanto, reparar o dano causado ao trabalhador pela quebra da expectativa de contratação. Tal dano abarca o abalo moral in re ipsa, bem como o ressarcimento dos gastos efetivamente despendidos em virtude da promessa de emprego (7). Em havendo recusa a uma proposta de terceiro no período das negociações, configura-se a perda de uma chance, a qual também deve ser indenizada.
Notas:
1- Nesse sentido, decisões do TST, exemplificativamente: RR 0001987-50.2013.5.09.0128; Quarta Turma; Rel. Min. João Oreste Dalazen; DEJT 19/12/2016; Pág. 5130; AIRR - 807-19.2012.5.18.0181, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, DEJT 22/05/2015; RR-122000-14.2008.5.09.0303, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, DEJT 1º/3/2013. Acórdãos extraídos do DVD Magíster, Ed. 71 – Jan/Dez 2017.
2- MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. 1. Ed: São Paulo, 2015, p. 383.
3- GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade pré e pós-contratual à luz da boa-fé. 1 Ed., Editora Juarez Oliveira. São Paulo, 2003, p. 62.
4- FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: contratos. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 68.
5- PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade pré-contratual. 1. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 339.
6- PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade pré-contratual. 1. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 300.
7- COELHO, Luciano Augusto de Toledo. Responsabilidade Civil Pré-contratual em Direito do Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 131.
8- Nesse sentido, TRT4 - RO 0000138-31.2015.5.04.0801, julgado em 27/08/2015. Relator Des. Ricardo Martins-Costa. Disponível no DVD Magíster, Ed. 71 – Jan/Dez 2017)