A falácia da flexibilização trabalhista

Recentemente divulgou-se estatística do Fórum Econômico Mundial que sugere o “custo” do trabalhador no Brasil como um entrave para a competitividade da indústria nacional e a sua inserção no plano internacional. O que tal pesquisa verdadeiramente esconde é a intenção de reduzir e suprimir direitos sociais, propondo a pura e simples “revisão” da Legislação do Trabalho, ao fundamento de que essa não atenderia os anseios da sociedade atual. A premissa está calcada na profusão de normas trabalhistas que seriam o óbice à plena concorrência da indústria nacional ao lado de outras economias. Curiosamente, tal pesquisa é absolutamente superficial e não traz e concatena outros fatores, mas apenas e tão somente o “custo do trabalhador” como único culpado pelo dito “engessamento” para o desenvolvimento da indústria nacional.

Lastimavelmente o debate em torno da legislação trabalhista é sempre vista com um viés maquineísta, entre o capital oprimido pela CLT e a gama de direitos protetivos firmados democraticamente pela Constituição. A pesquisa divulgada pela CNI revive e instiga o vetusto e rançoso debate a partir de uma premissa falsa, demagógica, de conflito entre capital e direitos sociais básicos, angariados pela sociedade e pelos trabalhadores ao longo de anos de incansáveis movimentos sociais e que hoje ostentam verdadeiros pilares da atual sociedade brasileira, essencialmente plural e democrática. Esse ponto de vista que o Fórum Econômico propõe não encontra respaldo sequer no plano internacional que muito bem já supera a teoria neoliberal, reconhecendo e valorizando a ação interventiva protetora quando protetora do sujeito potencialmente mais frágil na relação. Essa é, curiosamente, a mesma essência em que se fundamenta o Direito do Consumidor, mas que não é alvo das mesmas críticas justamente porque o detentor do capital também é, potencialmente, consumidor.

A crítica, segmentada meramente por um viés econômico, anacrônico, esquece a evolução cultural e histórica; ignora frontalmente dados econômicos de crescimento real do país nos últimos dez anos, em que se mostrou atrativo para o capital e para a industria estrangeira, como de mesmo modo permitiu a internacionalização da produção nacional. O argumento trazido ao debate se observado com cuidado, demonstra, por suposição, que férias, décimo terceiro salário, remuneração das horas extras, repouso semanal remunerado, fundo de garantia dentre outros direitos seriam, na verdade, os culpados pela dita paralisia da indústria; novamente virando as costas para o dado essencial de que trouxeram ao trabalhador a possibilidade de inserção social e participação ativa na econômica, como ser social e cultural.

Não se pode conceber em pleno século XXI que o debate democrático de eventual reforma da legislação do trabalho parta de um argumento pífio, frágil e há muito superado, a começar pela absoluta superação da teoria neoliberal que lastreia a base argumentativa do ideal flexibilizador. O Direito do Trabalho não é e nunca foi responsável pelo entrave da indústria. Em verdade, a mentalidade atrasada de muitos gestores e o desconhecimento técnico de outros é que tornam a indústria paralisada.

E a prova do “desconhecimento técnico” é o fato de que hoje a legislação do trabalho permite a “flexibilização” seja pela compensação de horas, seja pela direta e discutível redução de salário, quando adotada a via negocial adequada. E tal já demonstra que o argumento da pesquisa do Fórum Econômico não é a flexibilização, mas a malévola redução e supressão de direitos sociais fundamentais, pretendendo transformar ou implantar no Brasil o modelo produtivo do oriente que todos sabemos não é compatível com uma ordem democrática de valorização da dignidade humana. Toda atenção é pouca ao debate democrático que pode se estabelecer em torno de uma revisão da legislação do trabalho que de modo algum pode ser segmentada por uma ou outra Confederação, mas deve primar e se dar com toda sociedade, pelas vozes do capital e pelas vozes do trabalho.

O artigo é uma resposta e uma provocação eloquente ao debate que se reaviva nos próximos anos, demonstrando em poucas linhas que não é a quantidade de leis e nem a idade delas que torna socialmente adequada ou inadequada, mas a sua efetivação e aceitação pela sociedade no atual momento cultural.

 

Denis Einloft
Advogado. Mestre em Direito. Especialista em Direito do Trabalho.