O Acordo Coletivo Especial e a Proteção do Empregado

Mais uma vez, a classe operária depara-se com uma nova tentativa de desmontar a estrutura do Direito do Trabalho e a proteção para o trabalhador. O mais grave, para a classe trabalhadora é que a investida vem do próprio núcleo dos trabalhadores, pois a proposta foi feita pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e com o apoio da CUT.
Trata-se de mais um projeto de lei, agora visando instituir e regulamentar a celebração de “acordos coletivos especiais com propósitos específicos”, entre empresas e os sindicatos de trabalhadores que congregam os seus empregados, observando, não mais as disposições legais protetivas do trabalhador em geral, mas sim as condições específicas de cada empresa e do grupo de trabalhadores empregados. Em curtas e, tão frequentemente repetidas, palavras, é a “supremacia do acordado sobre o legislado”. E o fundamento para tanto não difere das tentativas anteriores, quando encabeçadas pela classe patronal: a legislação trabalhista é antiquada e insuficiente para atender às necessidades específicas das relações de trabalho, na atualidade.

Os autores desse projeto de lei sugerem que a solução seria a liberdade absoluta para que, sindicatos e empregadores, estabelecessem as condições de trabalho, sem estarem adstritos à observância das normas legais.

De pronto cumpre salientar que a atual legislação trabalhista não impede e nunca impediu as partes – sindicatos de empregados e sindicatos de empresas – de estabelecerem condições de trabalho diversas daquelas previstas em lei e específicas para as condições de trabalho dentro de cada empresa. Isso pode ser feito, como se sabe, através de instrumentos como o acordo coletivo de trabalho, fruto da negociação entre o sindicato dos empregados e a própria empresa ou o sindicato patronal que a representa. A peia que existe, entretanto, é que tais acordos apenas podem estabelecer condições ainda não previstas em lei ou, se já previstas, apenas quando ampliem a proteção aos trabalhadores, que a lei dispensa. Não podem tais instrumentos ser utilizados para diminuir ou afastar a proteção dispensada ao empregado, mas apenas para a ampliar.

E essa restrição que o projeto de lei que institui o Acordo Coletivo Especial com Propósito Específico quer afastar não existe por acaso. Na verdade, ela é a maior expressão do caráter tutelar do empregado que constitui a razão de ser do Direito do Trabalho. Este não existe apenas para regular as relações entre empregado e empregador, e sim para estabelecer a regulamentação dessas relações de forma a proteger o empregado. E isso tanto no âmbito do direito individual quanto no coletivo. Pudessem as partes, tanto o empregado individualmente, quanto o Sindicato em aparente defesa de determinado grupo de trabalhadores, afastar a proteção mínima legal e não demoraria para que a proteção fosse afastada, em prejuízo do empregado, por imposição do empregador.
Sabe-se que, quando a lei abre a possibilidade de opção para o empregado, esta é exercida pelo empregador, que determina como o empregado “vai optar” sob pena de ser demitido. É o que decorre da hipossuficiência econômica do trabalhador que o coloca num estado de dependência e subordinação ao empregador.

E essa supremacia do empregador, como o titular do empreendimento, impõe-se até mesmo aos sindicatos. Neste campo, o poder do empregador faz-se presente ao ameaçar os seus próprios empregados, individualmente, com a extinção do empreendimento, a demissão e o desemprego, tudo porque o sindicato dos trabalhadores não quer aceitar as condições que a empresa impõe. Isso quando a pressão não é direta sobre o sindicato, ameaçando “virar os trabalhadores contra ele”, com o mesmo objetivo.

Com todo o respeito que nos merecem, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a CUT, a situação da classe operária e dos seus representantes ainda é de subordinação ao poder empresarial, o que impede o afastamento da tutela mínima em que se constitui o estatuto legal trabalhista. Se a legislação é antiquada e insuficiente – e sem dúvida que é – há de se trabalhar para a sua modernização, para a sua complementação e para o atendimento de situações específicas de cada empresa, por meio de negociação coletiva que leve à celebração de convenções ou acordos coletivos, como hoje existentes, sempre para além da lei e nunca contra esta, por mais atraentes que possam parecer as condições oferecidas como moeda de troca.

Deve, assim, ser rejeitado o equivocado projeto de lei.

 

João Miguel P. A. Catita
Advogado Trabalhista e sócio da CCM