Quanto vale a tua honra?

Em 1945, George Orwell publicou a sua famosa obra “A Revolução dos Bichos”, na qual relatou a tomada do poder em uma fazenda pelos próprios animais. Em um suposto sistema horizontal de autoridade, os novos comandantes criaram regras para coordenar sua convivência. Uma delas se tornou célebre: originalmente “todos os animais são iguais”, foi alterada pelos poderosos, tornando-se “todos os animais são iguais – mas alguns são mais iguais do que os outros”.

Muitos anos se passaram e, infelizmente, a sátira de Orwell permanece muito atual.
Nossa Constituição firmou, em seu art. 5°, que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Sabemos que, em muitos casos, a igualdade absoluta de direitos é uma utopia distante. Todavia, não podemos silenciar ao constatar que, mais uma vez, o texto constitucional está sendo desconsiderado em prol do interesse de uma pequena parcela da sociedade.

Dentre os muitos aspectos da famigerada reforma trabalhista que causam consternação, um em especial me chama a atenção. Trata-se da criação de limites para o pagamento de indenização por dano moral sofrido pelo trabalhador. Mais grave do que isso, vincula-se o valor a ser recebido ao salário do empregado. Vejamos a proposta de redação do novo art. 223-G da CLT:

Art. 223-G
§ 1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I – ofensa de natureza leve, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
II – ofensa de natureza média, até dez vezes o último salário contratual do ofendido;
III– ofensa de natureza grave, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

Qual a consequência prática da nova disposição legal? A ofensa à dignidade do trabalhador não será mais a base para calcular o valor da reparação devida. Trabalhadores que sofrerem o mesmo abalo moral decorrente de atitudes patronais (como, por exemplo, ofensas, atraso habitual de salários e metas abusivas) receberão indenizações limitadas e distintas, tendo por base o salário percebido.

Estamos diante de um grande retrocesso e de uma injustiça com os trabalhadores, em especial os mais humildes. O que a lei está nos dizendo, no melhor estilo Orwelliano, é o seguinte: todos os trabalhadores são iguais. Mas a dignidade de alguns vale mais do que a dos outros.
A minha honra não pode ser tabelada nem desvalorizada. E a tua?

Rafael Saltz Gensas – Estudante de Direito no 9° Semestre/UFRGS. Estagiário no Escritório CCM Advogados.